14 outubro 2009

Vôo 777 - A ( Lisboa - Whitchurch )



O Douglas DC-3 Ibis da BOAC, Lisboa - Grã-Bretanha é abatido por caças da Luftwaffe na manhã de terça-feira, 1 de Junho, quando sobrevoa o Golfo da Biscaia. O incidente é amplamente noticiado na Europa e nos Estados Unidos, sobretudo pela presença entre as vítimas da estrela de cinema de Hollywood, Leslie Howard, e as circunstâncias misteriosas que o rodeiam. As agências noticiosas internacionais emitem despachos no dia 2.» Jornais portugueses também relatam os factos tendo o Século publicado 8 notícias, incluindo honras de primeira página.

Em 1939, Leslie Howard interpreta o papel mais importante da sua carreira: o do gentleman Ashley Wilkes, em Tudo o Vento Levou. O filme é um sucesso, mas o actor (judeu) inglês instala-se em Londres e começa a participar nas operações de propaganda antinazi, designadamente como realizador de cinema. O Diário da Manhã (afecto ao regime) é, no dia 3, um dos primeiros jornais portugueses a noticiar a tragédia.

Reproduzem-se as interrogações da imprensa londrina sobre o desastre:
As carreiras aéreas entre a Inglaterra e Portugal gozaram de imunidade até ao dia em que um avião desse serviço é atacado pelo inimigo. Qual é pois a razão deste ataque?» - pergunta Ward Price, jornalista britânico muito conhecido pelas suas viagens aos diversos países da Europa, antes da guerra. É de presumir - diz ele - que os alemães se esforçassem especialmente por interceptar determinado avião.»

António Leite Faria, primeiro secretário da embaixada de Portugal em Londres nessa altura, contou ao escritor Fernando Dacosta que o ataque podia resumir-se a uma tentativa para assassinar Winston Churchill.

Parece que os serviços secretos alemães viram um senhor muito gordo embarcar na Portela e pensaram que podia ser o Churchill. Lisboa era na altura, dada a ocupação da França, um ponto de passagem obrigatório para a Inglaterra, para a América, para o Norte de África, para o Médio Oriente.

O "senhor muito gordo" que fumava charuto e embarcou nessa manhã na Portela de Sacavém é Alfred Chenhalls, amigo e contabilista de Leslie Howard. Uns anos mais tarde, o próprio primeiro-ministro britânico menciona este boato no IV volume das suas memórias de guerra:
A brutalidade dos alemães só era comparável á estupidez dos seus agentes. É difícil imaginar que com todos os recursos da Grã-Bretanha ao meu dispor, eu fosse marcar passagem num avião comercial sem escolta para regressar a Londres á luz do dia.

De repente, surgiu a voz do piloto holandês no rádio: «Estou a ser seguido por aeronaves estranhas. Estou a aumentar a velocidade...Estamos a ser atacados. Tiros de canhão e tracejantes estão a penetrar na fuselagem. Tenho esperança e faço o melhor que posso». A partir dai, o silêncio».

No dia seguinte, Berlim emitia um comunicado em que reivindicava ter abatido um aparelho inimigo que sobrevoava a Atlântico. Londres anunciava que o Douglas com quatro tripulantes e 13 passageiros, incluindo o actor Leslie Howard, estava atrasado e presuvilmente perdido. Pela primeira vez, um aparelho comercial sem armamento, que efectuava a carreira Lisboa - Londres desde 1940, foi abatido. Qual a razão?
O Douglas tinha deslocado da Portela, um aeroporto utilizado por aviões dos Aliados e do Eixo. A carreira da tarde de Londres servia para transportar jornais ingleses para a Legação Alemã. E permitia obter (através da Suíça) informações sobre os prisioneiros de guerra. Os aviões que passavam pela Portela beneficiavam de um estatuto implícito de imunidade.
Os ingleses consideram a violação do salvo-conduto um incidente integrado na caça a Winston Churchill, que viajava para Inglaterra, em proveniência da América do Norte e do Norte de África.

Segundo o perito de aeronáutica Chris Goss, o Douglas não foi atacado intencionalmente porquanto os pilotos dos oito Junkers Ju 88 do Grupo V Kampfgeschwader 40, que deslocaram de Bordéus nessa manhã, desconheciam a presença de aviões civis na zona que patrulhavam, Há pelos menos, três teorias para explicar o ataque da aeronave da BOAC:

1 - Confusão entre Winston Churchill e o passageiro Alfred Chenhalls.
2 - Confusão entre Leslie Howard e o guarda-costas de Churchill, Walter H. Thompson.
3 - Erro da Luftwaf.

Viajavam também no avião com destino a Londres o Sr. Stonehouse, redactor chefe da Reuter em Washington e o gerente da Shell em Portugal, Sr Sheringtow além de várias senhoras e crianças.
O ataque do Douglas da BOAC é considerado pelo governo de Londres um «crime de guerra» e a morte de Howard é sentida como uma tragédia nacional.
Não houve mais aviões comerciais (da carreira de Lisboa) abatidos durante a guerra.

Em: O Diário Secreto que Salazar não Leu, Rui Araújo, Oficina do Livro

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