06 agosto 2009

João Augusto Ferreira de Almeida

O Fuzilado Português


«Cerca das sete horas e quarenta e cinco minutos da manhã de 16 de Setembro de 1917 era executado, em Pincantin, próximo de Laventie, o soldado chaufeur João Augusto Ferreira de Almeida.

O acto efectivou-se perante a tropa reunida e na presença do promotor de justiça do Tribunal de Guerra junto do Quartel-General do CEP. Cumpria-se sentença do mesmo Tribunal e foram praticadas todas as formalidades regulamentares, como reza o termo do respectivo processo crime.

Tudo começara menos de cinquenta dias antes, a 30 de Julho de 1917, quando o capitão Mousinho de Albuquerque mandou apresentar o soldado António Rei no Batalhão de Infantaria 23 por este ter prestado declarações de excepcional gravidade contra o soldado Ferreira de Almeida.


Organizado de imediato o processo, foram ouvidas, para sua elaboração, nove testemunhas (sete soldados e dois sargentos). De uma forma geral todas confirmaram que durante o dia 29 de Julho, o soldado chaufer João Ferreira de Almeida procurou saber o caminho para os alemães, declarando que já oferecera dinheiro a um soldado para que lhe fornecesse essa informação; mostrou ter intenção de indicar aos alemães, depois de desertar, os locais das tropas portuguesas através de dois mapas que possuía; insistiu em declarar que não acabaria o cumprimento da pena de sessenta dias de prisão a que fora condenado, pois antes disso passaria para os alemães.

Assim pôde o processo ser enviado em 7 de Agosto ao Juiz auditor a fim de que este emitisse parecer nos termos do artigo 337º do Código do Processo Criminal Militar. Foi o que este fez, concluindo que o arguido tentara passar para o inimigo, achando-se por isso incurso na caução do nº1 do artigo 54º do Código da Justiça Militar e a quem, pelo artigo 1º do Decreto de 30 de Novembro de 1916, cabia a pena de morte. Por isso, parecia ao Juiz auditor que o arguido poderia ser julgado sumariamente como dispunha o artigo 337º do Código do Processo Criminal em vigor.

Com base nos elementos apurados pôde então o comandante do Corpo Expedicionário Português, general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, determinar que o soldado em causa respondesse perante o Tribunal de Guerra a fim de ali lhe ser feita a respectiva aplicação da lei. Para tal atendia a que João Augusto Ferreira de Almeida, soldado chaufer nº502, cometera os seguintes factos criminosos:

1º - Tentara passar para o inimigo, para o que perguntara a várias praças o caminho a seguir, chegando até a oferecer dinheiro com o fim de obter essa informação.

2º - Quereria indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constando em duas cartas itinerárias de que a praça era portadora.


Ultimadas as diligências necessárias, o presidente do Tribunal de Guerra, coronel de Infantaria, António Luís Serrão de Carvalho marcou para 15 de Agosto o julgamento em conselho de guerra. Reunido o Tribunal em Roquetoire, verificou-se ser constituído para além do seu presidente, pelo Juiz auditor, Dr. Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, pelo júri, constituído por cinco oficiais - major Joaquim Freire Ruas, capitães Adriano Augusto Pires e David José Gonçalves Magno e Alferes Joaquim António Bernardino e Arnaldo Armindo Martins - e ainda pelo promotor, capitão Herculano Jorge Ferreira, e pelo secretário, tenente José Rosário Ferreira. Feita a chamada dos jurados e das testemunhas, lidas as principais peças do processo, identificado o réu e feitos os interrogatórios e alegações, o Juiz auditor ditou os seguintes quesitos:

1º - O facto de o arguido em 29 de Julho, encontrando-se na primeira linha, tentar passar para o inimigo perguntando a várias praças o caminho oferecendo a uma dinheiro para que lhe prestasse essa informação;

2º - O facto de o arguido querer indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constantes de duas cartas itinerárias de que era portador;

3º - O mau comportamento do réu;

4º - O crime ser cometido em tempo de guerra;

5º - O réu ter cometido o crime com premeditação;

6º - O crime ter sido cometido, tendo o agente a obrigação especial de o não cometer;

7º - O estar ou não provado o imperfeito conhecimento do mal do crime.


Foi sobre tais quesitos que o júri se pronunciou.

Assim, o 2º quesito não foi provado por unanimidade; o 3º e o 4º foram provados, também por unanimidade; o 7º não foi provado por maioria e os restantes (1º, 5º e 6º) provados por maioria. Nos quesitos 1º ( que viria a decidir a condenação), 5º, 6º e 7º o alferes Arnaldo Armindo Martins votou vencido. Foi portanto face aos autos que o promotor de justiça acusou o réu de, no dia 29 de Julho, tentar passar para o inimigo e de querer indicar ao mesmo os locais ocupados pelas tropas portuguesas constantes de duas cartas itinerárias, de que era portador, cometendo assim o crime de traição. Mas, discutida a causa e postos os quesitos ao júri, este declarou por maioria, somente o primeiro facto praticado pelo réu. Contudo, este se achou "incurso na sanção do artigo 54º, nº1, do Código de Justiça Militar que diz: "Será condenado á morte com exautoração o militar que passar para o inimigo". E tendo considerado provadas as circunstâncias agravantes, o promotor de justiça conclui: "Julgo, pois, procedente e provada a acusação e nos termos do artigo 1º do decreto de 30 de Novembro de 1916 condeno o réu á morte com exautoração".»

Ainda existiu um Recurso mas este não teve êxito, tendo-se cumprido a sentença a 16 de Setembro.



Fonte: Portugal Grande Guerra, Aniceto Afonso, Carlos de Matos Gomes - Marília Guerreiro

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