22 setembro 2010

Cepelos - entrega de bens à corporação encarregada do culto













Fonte: Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e da Administração Interna > Biblioteca e Arquivo Digital

Egas Moniz - o diplomata

imagem: delegados aliados para a Conferência da Paz em Paris onde se vê Egas Moniz como representante de Portugal

«Egas Moniz, responsável pela pasta dos Estrangeiros, parte para Londres a 5 de Dezembro(1918), na sua qualidade de presidente da Delegação Portuguesa á Conferência de Paz, para que fora nomeado a 20 de Novembro. E a 10 de Dezembro é recebido por Balfour, o ministro dos Estrangeiros britânico.

Desta primeira reunião, como indica José Medeiros Ferreira em Portugal na Conferência da Paz, são retirados os objectivos iniciais de Egas Moniz, os quais divergem em parte dos de Sidónio Pais. Nas duas semanas que antecedem o início da conferência, Egas Moniz tem intensa actividade em Paris onde se reúne com o seu homologo francês.

No livro que acima se refere, deduz-se que existe uma grande desorientação da Delegação Portuguesa, que tanto se preocupa com os grandes objectivos a alcançar na Conferência (domínio colonial, indemnizações de guerra, repartição de meios de guerra) como se preocupa com o numero de delegados, gastando nesta última questão parte do tempo precioso que antecedeu a abertura oficial da Conferência de Paz. Posteriormente, Canto e Castro envia para Paris um documento no qual compendia os objectivos portugueses na Conferência de Paz.

Desde a partida de Egas Moniz de Lisboa, a 5 de Dezembro de 1918, que os acontecimentos em Portugal haviam evoluído por forma assaz desfavorável para a força política, ou meramente representativa, «do primeiro presidente da Delegação Portuguesa à Conferência de Paz». Assim, a 14 de Dezembro foi assassinado Sidónio Pais e a 16 era eleito, no Parlamento, o contra-almirante Canto e Castro. Este nomeia presidente do Governo o tenente-coronel João Tamagnini Barbosa, que mantém Egas Moniz na pasta do Estrangeiros.

Agita-se o elemento militar. As Juntas Militares, de cariz monárquico, pretendem interferir na composição do Governo e opõem-se em particular à continuação de Egas Moniz. Revolta-se João Almeida, «o herói dos Dembos», no próprio dia da tomada de posso do Governo. Das negociações que se seguiram entre Tamagnini Barbosa e João Almeida resulta a substituição do gabinete formado a 23 de Dezembro por outro, que toma posse a 27 de Janeiro de 1919. A 11 de Janeiro dá-se uma revolta republicana em Santarém. A 19, as Juntas proclamam a Monarquia do Norte; a 23 desse mês os monárquicos ocupam Monsanto e a 24 são desalojados por forças fiéis à República. A 27 de Janeiro um novo Governo, desta vez presidido pelo democrático Domingos Pereira, onde não participavam sidonistas. Era o regresso em plena força da República Velha».

Afonso Costa, nessa emergência, será o responsável máximo pelas negociações de Paris, a fim de rematar da melhor maneira possível a participação de Portugal na Grande Guerra. E a partir de 17 de Março de 1919 a presidência da Delegação Portuguesa à Conferência da Paz pertence-lhe. Mais: a verdadeira chefia da diplomacia portuguesa passa-lhe para as mãos, como grande parte da política governamental.

O afastamento de Egas Moniz deveu-se de certa forma á sua participação no Sidonismo e aos acontecimentos de Dezembro e Janeiro de 18/19. Abandona a política e torna-se passado alguns anos o primeiro Prémio Nobel português.»


Base do Texto: Portugal na Conferência da Paz - Paris,1919 - José Medeiros Ferreira
Imagem: The War of the Nations (New York), December 31, 1919, in The Library of Congress > American Memory

O afastamento do futuro Prémio Nobel da Medicina prendeu-se, antes de mais, com a sua participação no sidonismo.

O afastamento do futuro Prémio Nobel da Medicina prendeu-se, antes de mais, com a sua participação no sidonismo.

07 setembro 2010

O Corpo Expedicionário Português no New York Times

O New York Times de 11 de Março de 1917 dava a notícia que o Corpo Expedicionário Português (CEP) desembarcava em Brest rumo á frente de combate.


fotografia da notícia
Tropas portuguesas destinadas á frente francesa atravessando Brest, tendo desembarcado á pouco no porto dessa cidade.(Lê-se na legenda á fotografia no Jornal)

Diz-nos também o jornal, que tanto quanto sabe a fotografia em cima é a primeira fotografia de um corpo considerável de soldados portugueses em solo francês.

Foto de Kadel & Herbert


Fonte: New York Times 11-03-1917, in The Library of Congress > American Memory

Açores na Segunda Guerra Mundial - Fotos

Um policia da RAF (à esquerda), e um sargento Português, de plantão á entrada do aeroporto das Lages.

Um Sargento Intérprete da RAF discute pormenores com mulheres portuguesas que se comprometeram no trabalho de lavandaria para o pessoal da RAF nas Lages.

Pilotos da 84ª Unidade de Embarque marcham sobre a ponte do Castelinho de São Sebastião, uma fortaleza do século XVI, em Angra do Heroísmo, onde estavam aquartelados.

Royal Engineers e trabalhadores portugueses a trabalhar na construção das novas pistas das Lages, aqui compartilhando uma pausa junto a uma pilha de tapetes Marston.

Uma Fortaleza Voadora Boieng Mark II em testes a passar por um carro-de-bois português nas Lages.

Vista aérea do aeródromo das Lages, onde se vê aeronaves estacionadas do Comando Costeiro ai baseado e também B-25 da Força Aérea Americana que faziam transporte Norte de África - Estados Unidos.

Vickers Warwick ASR Mark I, HK-E ', n º BV356 do 269º Esquadrão da RAF baseado nas Lages - Açores, num voo sobre a Terceira.

Foto aérea do aeródromo de Lages, na ilha Terceira - Açores, a partir de leste.

´Um carro blindado da RAF e um carro-de-bois no aérodromo dos Açores.


Sousa Lopes - O Pintor do CEP

«Adriano de Sousa Lopes frequentou a Academia de Belas-Artes de Lisboa e, em 1903, foi para Paris.
A partir de 1920 desenvolveu uma dimensão expressionista na sua pintura essencialmente paisagista e retratista.
Em 1927 foi director do Museu Nacional de Arte Contemporânea.
Em 1929, recuperou um estilo mais académico tardio que veio a consolidar nas pinturas a fresco que executou, com influência da técnica italiana, no Salão Nobre do Palácio de São Bento.
Perdida a espontaneidade da juventude com o ritmo crescente de encomendas oficiais e suas exigências, entregou-se a um modernismo convencional oficioso traduzido num excesso cromático e de movimento.» 1


«Sousa Lopes foi o único pintor a acompanhar o Corpo Expedicionário Português na Primeira Guerra Mundial. Foi ele quem pediu ao ministro da Guerra que o deixasse ir para a frente francesa e, lá chegado, foi a custo que se instalou nas trincheiras. A Rendição é a sua obra maior.

Em Agosto de 1917, num país agitado pela mobilização da guerra, o pintor Adriano Sousa Lopes é nomeado pelo governo da República oficial-artista do Corpo Expedicionário Português (CEP), na frente ocidental da Grande Guerra. Desde Fevereiro que sucessivos contingentes de soldados portugueses chegavam ao Norte de França, para defender uma área situada na planície do rio Lys, sector militar que não excedia os 18 quilómetros na primeira linha, e que se integrava autonomamente na frente do Primeiro Exército Britânico.

É o seu grande quadro, A Rendição: "Soldados vindos das linhas, cobertos com peles que os protegem do frio, enlameados, as caras mal rapadas, um ar de esmagadora fadiga... Esta saída da trincheira, o primeiro cotovelo que lhe descortinamos ao fundo e estes homens que saem, quase definem as linhas e a sua vida." Na versão final, é uma composição com mais de 12 metros de comprimento, terminada em 1923, hoje visível no Museu Militar de Lisboa. É uma obra- chave, que faz a síntese da experiência do pintor em França, confrontado com a dura realidade que o CEP vivia no sector português.»2


Nasceu em Vidigal, Leiria, em 20 de Fevereiro de 1879;
morreu em Lisboa em 21 de Abril de 1944.



O almoço do Pintor


Eu dissera ao meu companheiro:

- Ora oxalá não nos suceda alguma.

E revolvia na ideia aquele nosso jantar daqui há dias.

Estávamos a meio e vieram dizer que tinham trazido um morto ali da estrada. Fomos ver. Como era escuro já, tiveram que alumiar. Lá estava o soldado deitado na lama. Quando seguia, aqui perto, pim! uma bala dum-dum de metralhadora entrou-lhe pela boca e estoirou. Trouxeram-no em braços é deitaram-no ali.

Debrucei-me. A sua cabeça era uma massa sangrenta e chata estendida no chão. Lembrava um destes balões vermelhos de caoutchouc com que as crianças usam brincar e que tivesse estoirado. Perdera de todo a forma primitiva e humana. Este milagre de construção que nós trazemos sobre os ombros, estava ali esborrachado sobre a terra, alastrando carne, miolos, sangue.

No dia seguinte veio outro, tal e qual na mesma. Só a bala entrara pelo temporal.

O certo é que a seguir a gente senta-se para comer e custa a engolir o bocado. Temos no olhar o espectáculo do companheiro morto. Depois não é só isso: sente-se não sei que frio cá dentro e lembramo-nos que aquela bala, – hein! - podia ter entrado em nós. E a ideia de que se pode ficar assim, palavra de honra, não é de abrir o apetite.

Pois é verdade. Ainda não lhes disse. Oferecemos ontem um almoço. Mas dia 13... quarta-feira de cinzas... Não vá o diabo tecer alguma ...

E um almoço a um Pintor. Fazem favor de reparar que é com P grande.E

Era ao nosso Pintor da guerra, Sousa Lopes. Já tinha visto, lá pela Lisboa, uma exposição sua, mais que suficiente para lhe ter amor, como se tem a um grande artista da nossa terra.

Mas também lhes digo: se o não admirasse ainda, começava a admirá-lo agora. Porque enfim para pintar a guerra veio fazer os cartões para as trincheiras. Eu vi, eu vi-o na primeira linha, a setenta, oitenta metros do boche sentar-se. num saco e, imperturbável, apontar de crayon em punho, demoradamente.

E vi já os seus esquissos em que os soldados, apenas debuxados, todavia surgem em sofrimento e alma, mas em alma nova, com aquela centelha de revelação profunda de quem viu a Verdade, o que só a trincheira dá.

Tenham a certeza que não são os Franciscos, os Maneis, os Antónios, muito pândegos e piadistas, e um tanto lamechas que teem por aí aparecido em certas páginas. E tenham também a certeza que se ninguém mais os souber dar, como eles são de verdade, pela pena, pela lira, pelo cinzel, esse soldado, o verdadeiro, há-de ficar a tintas nos painéis de Sousa Lopes.

Ele veio cá, e aqui está, vendo, vivendo, sofrendo, para depois pintar. E os outros... Os outros, o melhor é nem falar neles.

Em termos que eu a mai-lo meu colega quisemos ter à mesa do abrigo o nobre camarada dos painéis.

Logo pela manhã foi uma azáfama. Mandámos às compras. Estudámos combinações culinárias. E, assentado o plano com o cozinheiro, mãos à obra. É que não se tem todos os dias à mesa um grande Pintor português. De mais a mais na guerra.

Por consequência pus o capacete, enverguei a máscara, peguei da bengala e fui à Horta Selvagem.

Porque hão de saber agora: nós descobrimos aqui num recanto da planície bombardeada e que há três anos se não cultiva, uma horta, uma velha horta, que em memória do mimo antigo, ergue aqui e além espontaneamente por entre as ervas comuns seu talo de couve, folhuda e agreste.

E. daí, baptizámo-la assim, à horta, com aquele nome à Júlio Verne.

Entendido: isto fica aqui entre nós, pela razão de, que os invejosos são muitos e as couves poucas.

Que digo eu?... Pouquíssimas!... Imaginem que os homens da engenharia construíram pra ali uma Decauville, uma destas Decauvilles das linhas e cortaram-me a horta ao meio.

Pois, senhores, não só me não pagaram a expropriação, como acarretaram as cóleras boches sobre a já minguada propriedade. Resultado: horta bombardeada, couves de pernas ao ar e poucos talos direitos.

Eis o triste quadro, que os meus olhos foram deparar. Vá lá uma pessoa ser proprietário com vizinhos tais.

Apanhei algumas folhas de couve; deitei um último olhar às ruínas de Cartago... quer dizer, da horta, e retirei-me.

E aqui está como o almoço abria com bacalhau, bacalhau vindo de Portugal, acompanhado de batatas... e couves. Nas linhas é opíparo. Estávamos justamente orgulhosos, e foi com mão solene que inscrevemos no menu aquele prato.

Devemos dizer-lhes que eu e o meu colega fizemos um menu. E em verso.

Abria ele por esta quadra que, se não honra os dois poetas, enobrece o pintor:

Bacalhau à Sousa Lopes,
- O fiel, com batatinhas,
Ao nosso Pintor da Guerra,
Que é fiel, pois veio às linhas.

Seguiam-se os outros pratos, cada um com sua oferta em verso. Diga-se todavia, em abono da verdade: as demais quadras não pindarizavam ninguém. Antes pelo contrário: jogavam graças pesadas, a torto e a direito, o que é muito próprio das linhas. Convêm saber que havia mais convidados. Além do Pintor, em honra de quem se dava o almoço, e dos dois médicos anfitriões, assistiam ainda um poeta e um humorista.

E só, para lhes fazer crescer água na boca, sempre lhes digo o mais que se comeu: carne de porco com feijões, bifes com batatas e salada. A regar, vinho comum, vinho do Porto e café.

O que isto nos custou a conseguir, naquelas paragens, não é fácil contar-se. Daremos uma ideia, se lhes dissermos que um ciclista andou de véspera a fazer compras ri -uma pequena cidade, a duas boas léguas de distância.

A sala, – um abrigo de elefante, onde se não pode estar de pé – tinha sido formosamente engalanada com graciosos festões... de ligaduras:

E, à hora aprazada, apesar de cair a chuva, os convidados compareceram. Almoço animado. 0, cozinheiro, que era o meu impedido, a quem nem esta prenda falta, recebeu os cumprimentos da assistência. E conversou-se muito. Falou-se da guerra, da Arte, de Portugal... De muita, muita coisa.

E não se vá dizer que os artistas comem mal. Oh! não; fizeram as honras ao almoço.

Ora sucedeu que, já no fim do repasto, naquela altura, em que, de perna traçada e abdulia aceso, se prova o Porto e bebe aos goles o café e a conversa se anima e pontevista de fantasia, lá fora, nos rails, a carreta dos feridos raspou, rodando, aqueles guinchos ásperos e lúgubres, que dizem carga pesada.

Eu e o meu colega, por dever de ofício, erguemo-nos instintivamente e sem pedir licença. E os outros seguiram-nos.

A carreta veio de lá rolando e guinchando, té que parou mesmo em frente da porta.

Acaso, não eram feridos.

Estendidos nos dois andares da carreta, estavam três mortos.

Um deles, todo cosido na manta própria, tinha a aparência egípcia de múmia, a nuca em linha direita aos ombros, os ombros em linha direita aos pés. 0 segundo, igualmente cosido no seu invólucro, conservava o mesmo aspecto, com a diferença de que tinha sido inteiramente decepado, rente aos ombros. Do último restavam, dentro duma espécie de saco com a forma e o tamanho dum presunto, qualquer coisa lá dentro que deveria ser como as sobras dum banquete de tigre.

Por muito acostumado que se esteja a estas coisas, de mim senti, talvez também pelo contraste brusco, uma circulação de gelo calafriando o peito e os membros. Os outros não deviam sentir muito menos que isto.

Por seu lado o Pintor estacara ante o quadro trágico. Depois seguiu e andou à volta, olhando fixamente. E olhava, com olhos de quem pinta, mas também com olhos de quem reza.

Os seus olhos brilhavam de piedade, que é a mais alta compreensão; e humedeciam-se de respeito ajoelhado perante as relíquias sagradas do irmão que morreu em combate.

Ao lado, a um curioso, o maqueiro elucidava:

- Foi um morteiro. que caiu no meio dum grupo de homens. Matou oito. O resto inda lá está embrulhado com a lama, na cratera.

Hoje a carreta trouxe mais dois. Pestavam já horrivelmente.

E o maqueiro, encolhendo os ombros, voltou a elucidas:

- Dos outros três, não se aproveita nada. 3


Fontes:
1. Assembleia da Républica - Visita Virtual > Sousa Lopes (1879 - 1944)
2. Público (06/09/2010) - República -Um pintor nas trincheiras - Por Carlos Silveira
3. Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra (1916-1919), in O Portal da História