«As notícias sobre a resistência russa não chegavam, a palavra democracia era proibida e um jornalista chegou a ser afastado, situações que provam que Salazar interferiu na linha editorial das emissões para Portugal da BBC, segundo uma tese de doutoramento.
"O Estado Novo e, portanto, Salazar pessoalmente, tentou, e conseguiu em alguns casos, interferir na linha editorial da BBC de várias formas", sustenta Nelson Ribeiro, Director de Programação da Rádio Renascença, professor universitário e autor da tese "Radio Broadcasting in Portugal during World War II".
Para o sustentar, Nelson Ribeiro apresenta vários "episódios" na tese que concluiu recentemente na Universidade de Lincoln (Reino Unido) e sobre a qual falou à Lusa.
O caso "mais emblemático" ocorre em 1941, com o despedimento de Armando Cortesão, exilado em Londres e ao serviço da secção portuguesa da BBC. Salazar insurge-se contra a hipótese de aquele vir a chefiar a secção e ordena à censura portuguesa que corte "todas as notícias" da estação, "o que coloca a propaganda britânica em Portugal quase ao nível zero".
"As outras influências eram um pouco mais subtis", compara o autor, nomeando que houve "pressões diplomáticas" para não se "falar sobre o papel da União Soviética na Guerra". Também a democracia era "assunto tabu nas emissões da BBC para Portugal até 1944".
Outro estragema foi usado quando do surto grevista de 1944 em Portugal: a BBC noticiou-o, mas citando o Diário da Manhã, jornal oficioso do regime, que desvalorizava o protesto. Há uma "preocupação não de esconder a informação mas de a transmitir de forma a que as relações com o Estado Novo não fossem postas em causa", avalia.
Mas que interesse tinham os ingleses nisso? Era "muito importante para os aliados que Portugal se mantivesse neutro", destaca Nelson Ribeiro. Londres tinha, por isso, "muito interesse em conseguir fazer a sua propaganda em Portugal e Salazar sabia disso".
"Mesmo nos momentos mais delicados [como o das exportações de volfrâmio para a Alemanha], a BBC nunca atacou directamente" a ditadura portuguesa, mantendo um "clima de simpatia" com o Estado Novo, que se traduziu até em "elogios do trabalho que era feito por Salazar".
Tal situação chegou a motivar "cartas de ouvintes portugueses a protestarem", pois "davam-se ao trabalho" de comparar as emissões em português, iniciadas em Junho de 1939, com as outras emissões estrangeiras.
Salazar "também tratava relativamente bem a BBC", defende o autor. Durante os primeiros seis meses de emissão, "a Emissora Nacional retransmitia, nas suas próprias emissões, a posteriori, o noticiário da secção portuguesa".
"A rádio portuguesa tinha pouca informação, muito atrasada e muito censurada" e "a ideia que as pessoas têm sobre as emissões para Portugal da BBC é de que eram totalmente credíveis, objectivas e independentes", salienta.
Claro que Nelson Ribeiro não concluiu "exactamente o oposto". "De todas as fontes de informação que existiam em Portugal durante a Guerra, não há dúvida nenhuma de que a BBC era a que transmitia informação mais objectiva. Mas não é verdade que não tivesse que assumir uma série de compromissos de forma a estar alinhada com a política do Foreign Office [diplomacia britânica] e esta era, antes de mais, não afrontar o Estado Novo", sustenta.»
Fonte: Diário de Noticias
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