30 março 2009

Arnaldo Garcez

Um Repórter Fotográfico na 1ª Grande Guerra



«Arnaldo Garcez Rodrigues de seu nome completo, nascido em 18 de Outubro de 1885 foi, em jovem, aprendiz de relojoeiro na cidade que o viu nascer. Mais tarde transferiu-se para Lisboa, com a sua família, e continuou a trabalhar no mesmo oficio. Comprou, então, uma primeira máquina fotográfica, um modesto caixote, com as suas primeiras economias; foi a estreia de uma série que culminou na aquisição de uma "Spido Gaumont", um aparelho sofisticado que era peça obrigatória dos repórteres fotográficos que actuavam ainda antes da proclamação da República. Emparceirando com Novais, Benoliel e outros pioneiros, o seu nome passou, a partir de 1904, a ser referido como colaborador de diversos jornais da capital e, com maior notoriedade, a partir de 1910. Os acontecimentos mais salientes da época passaram a ser fixados por um novo fotógrafo. A sua limitada instrução literária - possuía a instrução primária - era superada por uma intensa curiosidade que o levou à leitura dos livros técnicos, na sua maioria traduções do francês que, ao tempo, abundavam perante o entusiasmo crescente da fotografia, no âmbito de amadores profissionais.

Assume-se como natural preocupação e insistência do Ministro da Guerra, General Norton de Matos para que se realizasse a cobertura fotográfica da preparação da nossa Divisão de Instrução, estacionada em Tancos, quando em 1916 optou pela participação portuguesa na guerra. Em ofício confidencial de 26.VI.1916, da Secretaria da Guerra, dirigido ao chefe de repartição do Gabinete do Ministério do Interior, igualmente existente no Arquivo Histórico Militar de Lisboa são dadas "ordens à Comissão de Censura a fim de não ser permitida a publicação nos jornais de fotografias sobre assuntos militares sem que apresentem uma prova vizada neste Ministério". Nesse ano, Garcez já dera amplas provas das suas capacidades e competência profissional. Natural é que, nas sequência dos treinos militares realizados em Portugal, Garcez seguisse para França, acompanhando o Corpo Expedicionário Português. Aí seguiu o quotidiano dos portugueses envolvidos na contenda. Aí fotografou os batalhões a caminho da frente de combate, as baterias a percorrerem as estradas, as visitas de entidades oficiais, as guardas de honra, as recepções aos presidentes da República francesa e portuguesa, as revistas das brigadas, os encontros dos Estados Maiores, as visitas de missões estrangeiras, a actuação das Damas Enfermeiras da Cruz Vermelha, os exercícios, os desfiles do exército português, nos Campos Elísios, em Paris, no 14 de Julho de 1918, as entregas de condecorações e a evacuação dos civis. A par destas imagens de sabor oficial, Garcez oferece-nos um panorama rico e completo do dia a dia do mais humilde soldado, os seus momentos de lazer, as suas confraternizações evocativas de datas festivas, a sua convivência com os ingleses em cujo exército se integrava o Corpo Expedicionário Português. Um panorama completo e chocante da destruição de estradas, campos e casas emparceira, neste certame iconográfico, para nos patentear, com evidência e clareza, todas as circunstâncias trágicas em que se consubstanciou a participação das tropas portuguesas no tablado bélico do território francês. Estas riquíssimas imagens mais valor adquirem, como fonte histórica de 1º plano, quando constatamos a escassez de investigação orientada para o estudo da participação portuguesa na 1ª Grande Guerra. A Europa desconhece praticamente a intervenção do nosso país neste conflito. Aliás na história francesa, essa acção é quase totalmente ocultada. Aí a Grande Guerra de 14/18, quase exclusivamente, cinge-se ao envolvimento daquele país contra a Alemanha. O trabalho de Garcez é, assim e também por esta razão, digno do maior louvor e a sua divulgação afigura-se como essencial para colmatar lacunas em que a historiografia portuguesa é fértil. Ele constitui no ponto de vista gráfico um manancial de informação.
Uma vez terminado o conflito, Arnaldo Garcez permaneceu em França por mais alguns anos. Colaborando como repórter fotográfico, actuou nas festas da vitória em Paris, Bruxelas e Londres. Igualmente se consagrou aos arranjos e edificação dos cemitérios em que repousam os restos mortais dos militares portugueses que tombaram na contenda. Organizou, e participou, ainda, em exposições fotográficas alusivas á guerra. Voltando a Portugal, no decorrer do ano de 1921, passou a ser fotógrafo de todas as cerimónias referentes á transladação dos corpos e colaborou na erecção dos monumentos alusivos á nossa actuação que, então, proliferaram por todo
país. Foi igualmente membro da "Comissão de Padrões da Grande Guerra", constituída por militares e civis dedicados e ilustres, muitos dos quais haviam participado no conflito.
Esteve, também, presente nas cerimónias alusivas ao monumento ao Soldado Desconhecido que ficou na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha. È por esta altura, entre os anos de 1921 e 1923, que Arnaldo Garcez volta a colaborar como repórter em jornais de Lisboa - O Século e o Diário de Lisboa vão utilizar a sua larga experiência. A ele se deve a grande reportagem sobre os preparativos e a partida para a travessia aérea de Atlântico Sul levada a cabo por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, uma cobertura excepcional que hoje nos permite recordar muitos dos pormenores dessa aventura que, constituindo uma etapa marcante nos anais da aviação, teve extraordinária repercussão na imprensa de Portugal e do Brasil.

Depois do seu falecimento, com 78 anos, em 5 de Agosto de 1964, a "Liga dos Combatentes", instituição de que foi sócio, organizou uma exposição em sua homenagem integrada no ciclo de actividades culturais, que teve lugar em Maio de 1978 recordando a batalha de La Lys e a que foi dado o título de "Retrospectiva Fotográfica da 1ª Grande Guerra (1914-1918)".
Em 1920 Arnaldo Garcez havia casado com uma senhora francesa na cidade de Cherburgo. Tratava-se de Marcele Margueritte Alphonsine Marneffe, de quem teve três filhos - Joaquim, Rui e Charles.
de A partir de 1923, e por escritura social de 22 de Fevereiro desse ano, Arnaldo Garcez que, entretanto, deixara a actividade jornalística, fundou a casa Garcez Lda dedicado á venda de máquinas fotográficas e outro material do ramo e que viria a situar-se no Chiado, em Lisboa. Era frequentador assidúo da "Liga dos Combatentes", e da Brasileira do Chiado. Era o ponto de encontro de antigos combatentes e de muitos intelectuais marcantes dos anos 20 a SQ: Aquilino Ribeiro, Reinaldo Ferreira, André Brun, Ramada Curto, António Ferro, Artur Portela, Norberto Aranjo, António Botto, Joaquim Manso, Guadino Gomes, Gago Coutinho e Mendes Cabeçadas.
Aos seus companheiros de tertúlia teria contado uma história que sobressaía entre as suas muitas aventuras da guerra. Norton de Matos na sua qualidade de Ministro da Guerra fora a França em Outubro de 1917. Tomara parte nas cerimónias de condecoração, com a Torre e Espada, da cidade de Verdun, acompanhando o Presidente Bernardino Machado. Como era crucial a todas as individualidades nacionais pediu para se deslocar ao teatro de guerra e visitar as trincheiras. Garcez que fizera a cobertura fotográfica das cerimónias e que era seu velho amigo, acompanhou-o. Aí chegados dirige-se-lhe Norton de Matos: "Oh Arnaldo, queres ver o ´boche`?" Subiram a um posto de observação, não viram qualquer alemão e ao descerem a precária estrutura de madeira desaba metralhada pelo inimigo. Por pouco ficava o país sem o Ministro da Guerra e o CEP sem fotógrafo. O susto foi o maior da sua carreira segundo nos narrou o seu filho Charles Garcez.
Entre várias condecorações civis e militares que foram conferidas a este "soldado fotógrafo", ressaltam as Ordens de Santiago, da Vitória e a Cruz da Guerra.»

Créditos: Ministério da Cultura, Centro Português de Fotografia
Texto: [António Pedro Vicente]

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