21 outubro 2009

Rio de Frades - Minas do Volfrâmio

«O Volfrâmio foi para as populações do Norte, deserdadas de Deus, o que o maná foi para os Israelitas através do deserto faraónico.»
Volfrâmio, Aquilino Ribeiro


«Aquando da Primeira Guerra Mundial, iniciou-se em Arouca a corrida ao Volfrâmio, minério utilizado no fabrico de armas e munições, com vista ao seu endurecimento e maior resistência.»

«O antigo Couto Mineiro de Rio de Frades localiza-se na freguesia de Cabreiros, junto à povoação de Rio de Frades, concelho de Arouca e distrito de Aveiro; as primeiras minas de volfrâmio foram aqui demarcadas em 6-5-1914. A exploração destas minas, no período das Guerras Mundiais, foi efectuada pela Companhia Mineira do Norte de Portugal, pertença de alemães. A mina de Poça da Cadela, a mais importante de Regoufe e próximo da aldeia homónima foi concedida em 9-9-1915, tendo sido extinta pelo decreto lei nº88/90. Estas minas foram exploradas, no seu período áureo, pela Companhia Portuguesa de Minas, que na realidade pertencia a ingleses. Os dois centros mineiros distam, apenas, cerca de 5 km.
Como é referido em Silva e Ribeiro (2004), as minas de Rio de Frades e Regoufe constituem, no concelho de Arouca, o primeiro grande movimento de industrialização e de proletarização, e ainda, o maior investimento estrangeiro, até à actualidade.

De entre as várias minas na região de Rio de Frades, a mina de Vale da Cerdeira, situada numa abrupta escarpa ribeirinha a cerca de 1 km da aldeia, foi a mais importante. Os filões eram sub-horizontais (inclinando 10º-15 º para W) e de direcção N10º-30º W, encaixados em xistos. No plano de lavra desta mina, realizado no ano 1916, encontram-se dados interessantes acerca da exploração. O desmonte do minério consistia em abrir galerias com a direcção do filão, a diferentes cotas. De 30 em 30 metros abriam-se galerias inclinadas ao longo do pendor do filão, ficando este, assim, seccionado em prismas rectangulares, que eram desmontados através do método dos degraus invertidos (isto é, da parte inferior para a superior). Pelo menos onze filões, sub-paralelos e a diferentes níveis, eram conhecidos já em 1916, na mina de Vale da Cerdeira. O minério e o estéril eram despejados em chaminés, sendo recolhidos na galeria de extracção existente a uma cota inferior à do filão mais baixo.

Em Rio de Frades foram abertas mais de 6 km de galerias. Uma delas (na foto) , acessível perto do aglomerado de habitações designado "Bairro de Cima", tem cerca 157 m e fura o monte em linha recta, indo desembocar, junto a uma queda de água, num cenário de grande beleza.

Os escassos documentos existentes, minimamente fidedignos, apontam para que Rio de Frades fosse a terceira mais importante área mineira portuguesa à época (a seguir às minas da Panasqueira e da Borralha)

Do ponto de vista social, e a título de comparação, nas minas de Rio de Frades, chegaram a trabalhar mais de 3000 pessoas (Vilar, 1998)
Segundo depoimentos orais de uma pessoa que teve no local com cerca de dez/doze anos de idade acompanhando o Pai nos trabalhos de extracção, Rio de Frades comparado com as terras de onde estes vinham, era muito mais "viva" e de grande azafama, chegando mesmo a haver posto da GNR.

Também se conta as histórias dos "pilhas" que eram «todos aqueles que demandaram a serra sem contrato nem projecto definido na procura do volfrâmio. No tempo da dita «febre do volfrâmio», e que no que se refere à população arouquense (e não só) , terão sido mais os que andaram na «pilha» do que aqueles que optaram pela dura profissão de mineiro. No período do auge da guerra, os «pilhas» aventuraram-se a abrir à picareta a dura rocha na esperança de encontrarem o «ouro negro» que lhe permitia fazer uma pequena fortuna». (Vilar. 1998).
Muitos enriqueceram, mas não só em Arouca. Também nas terras vizinhas com as "pilhas" e com o negócio se ganhou bom "dinheiro; em Vale de Cambra ouve um surto migratório para Arouca onde se procurava fortuna, alguns conseguiram o que procuravam, outros não, e esses vieram "com uma mão á frente e outra atrás"como contam agora algumas pessoas dos seus oitenta's e muitos anos.


Conta-se que havia homens que fumavam notas enroladas como demonstração da abundância deste. Ainda hoje me dizem: esta casa foi construída com o dinheiro do negócio do Volfrâmio.
E até chegaram em Vale de Cambra a "esburacar" os montes (monte de Vila Cova de Perrinho) mas pelo que consta o "filões" eram na vertical, o que os tornava de muito difícil exploração, e a sua abundância era muito mais reduzida do que em terras de Arouca.

«De Arouca saíram muitos milhares de contos de volfrâmio; um legal e a maioria levado pelas redes de contrabando. As fortunas efémeras assim criadas, foram esbanjadas e, terminado o conflito mundial, voltava-se à pacatez do amargo pão de cada dia, num concelho tutelado e triste que só via esperança nas migrações.»

O volfrâmio em 1942 estava oficialmente cotado ao preço de 150 escudos o quilo; no entanto no mercado livre vendia-se a 500 escudos chegando no pico do conflito mundial a transacionar-se a 1000 escudos. Nessa altura um mineiro ganhava 18 a 20 escudos por dia e um trabalhador rural 7 a 8 escudos, importâncias que permitem relativizar o valor do metal na altura.
Assim é virtualmente impossível saber quanto volfrâmio foi extraído nas serras de Arouca, porque muito do volfrâmio era vendido pelos "pilhas" ilegalmente.



Foto: Ruínas das oficinas, da lavaria (do outro do caminho) e do armazém (mais ao fundo)












Foto: a meia encosta, uma escombreira com material estéril saído das galerias.











«Além de toda a carga histórica e mineira que aqui se respira, o arranjo cénico da paisagem envolvente é também inesquecível. Esta é marcada por vales fortemente encaixados onde correm águas límpidas e cristalinas como a ribeira da Covela e a ribeira da Pena Amarela, que confluem ali bem perto. A ribeira de Covela forma até uma queda de água que prende o olhar do pedestrianista».

No entanto, «as minas de volfrâmio de Arouca constituem património da arqueologia industrial mas estão ainda ao abandono e a aguardar urgente intervenção».

Por ali «passaram aquando das duas guerras, mas principalmente na Segunda Guerra Mundial, para além dos mandatários de ambas as potências, ingleses e alemães, milhares de mineiros, de aventureiros, de gente de toda a espécie e, terminada a guerra, ficou ao abandono toda a arqueologia utilizada na exploração do minério, bem como muitas construções então utilizadas, quer na extracção, quer na logística.

Rio de Frades e Regoufe são hoje dois lugarejos perdidos nos confins da serra, ambos situados em locais paradisíacos, que constituem um dos mais ricos patrimónios naturais do concelho, a merecer o tratamento adequado, no sentido de perpetuar na memória, um tempo de grandezas e misérias de um povo que aí buscou fortuna e encontrou quase sempre a glória efémera.

No lugar de Rio de Frades podemos ver ainda, em bom estado de conservação as muitas construções edificadas pela Companhia alemã, para alojar os muitos mineiros e também para os escritórios da empresa que durante cerca de cinco anos aí se dedicou à exploração de volfrâmio.

Acabo isto com este pequeno excerto da pequena escola básica de Rio de Frades: «Nessa altura, chegaram a trabalhar em Rio de Frades mais de 3000 pessoas. Havia Hospital, escola, refeitório, estradas... Com o fim da Guerra, o volfrâmio deixou de ter procura e a exploração das minas foi abandonada. Passou de um centro “avançado” à “cidade abandonada” que é hoje. ...Sem estradas, sem Hospital, sem comércio...»


Bibliografia:
Fotos: Jorge Russo
Câmara Municipal de Arouca
Percurso na Geologia de Arouca
VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO GEO-MINEIRO DA SERRA DA FREITA (NORTE DE PORTUGAL), António Moura, Dep. Geologia- Centro de Geologia, Universidade do Porto
Rota do Ouro Negro
Resumo Histórico de Arouca



9 comentários:

Anônimo disse...

Talvez fosse de interesse histórico falar num personagem de seu nome Raul que seria o principal capataz na mina dos alemães e que segundo os antigos daria para escrever um guião para um filme com as peripécias deste carismático e polémico individuo ao nivel do far west

Marcelo Sousa disse...

Caro anônnimo,
Teria todo o gosto em as ouvir!
Agradecia contacto.

Cumprimentos

Fernando Bastos disse...

Parabéns pelo blog.
Fez me recordar as conversas do meu pai sobre Rio de Frades. O meu avó era capataz nas minas, essa riqueza que tanto falam e que alguns conseguiram, é o contraste da vida do meu avô, morreu com 40 e poucos anos de tuberculose pulmonar. Deixando 4 filhos a uma pobre mulher que após 3 anos sucumbiu da mesma doença. Costumo dizer que perdi os meus avós na segunda guerra mundial.
Abraço

Marcelo Sousa disse...

Caro Fernando,

Desde já obrigado pelo seu amável comentário! A vida nos anos 40 foi aquela...e foi passageira! Afinal Portugal também tever "perdas humanas" na II GG!

Um abraço

Anônimo disse...

Existe um site sobre esta aldeia.
caso tenham algumas estórias enviem-nas para o contacto que está no site.
https://sites.google.com/site/riodefradesaldeia/

Anônimo disse...

caro fernando bastos,como se chamava o seu avô, porque o meu avo tambem era capataz das minas...

Unknown disse...

Chamo-me António,sou de Vale de Cambra e gostei de ler este artigo sobre Rio de Frades,pois embora nunca la tivesse estado o meu pai Augusto Gonçalves de Pinho foi capataz de minas aquando da segunda guerra mundial vivendo ai com a minha mãe e irmã.Meu pai viria a falecer em 1960 aos 36 anos de idade e minha mãe hoje com 94 anos conta tantas peripécias da vida como se fosse hoje.







Susana Ribeiro disse...

Minha vizavo e avó e avô andaram a trabalhar nas minas dos alemães ...os irmãos da minha vizavo eram capatazes tb.

Alice Oliveira disse...

Olá, o meu pai tem 97 anos e trabalhou nas minas do Rio de Frades, ele estava responsável pelos carros que transportavam o volfrâmio, chama-se José Tavares de Oliveira. Lembra-se de várias passagens. Sabem se existe algum livro sobre o assunto? Ele gostava muito de ver fotos. Obrigada