19 abril 2010
Depoimento - Grande Guerra
"De noite é que é o inferno. Ou se vai de patrulha, de gatas, de moca e bomba, caindo aqui, levantando-nos acolá, ou se espera que sejam êles que venham encostar-nos o frio gume da baioneta á gorja, preparando-se nesse caso tudo para a recepção. Mas se é gás e se são tiros, uma tabuzanada de acordar os mortos, logo começa um chinfrim diabólico de latas e campainhas para que a gente se mascare. E os telefones retinem, os estafetas põem-se a andar e o S.O.S sobe ao céu, no vinco luminoso dos very-ligths que ficam iluminando a terra tôda até que se apagam e o mundo é apenas escuridão. À artilharia de lá responde a nossa, e ao longe, há por vezes a sanguinolenta marcha dos incêndios, rosa rubra na boutonniére negra da noite. Ouve-se o crac-crac das metralhadoras que o boche despeja e que nós despejamos. E transida, bafejando as mãos, sem sono, a gente escuta os ecos e o nosso coração doente é como um velho relógio oscilando entre a saudade dos que estão longe e a ideia de morrer ali, armado e equipado, sonolento e triste, como um cão sem forças."
Albino Forjaz Sampaio, IN: Os Portugueses nas Trincheiras: Vivências comportamentais, Isabel Pestana Marques
Albino Forjaz Sampaio, IN: Os Portugueses nas Trincheiras: Vivências comportamentais, Isabel Pestana Marques
14 abril 2010
Casa dos Cantoneiros
Duas Guerras, Duas Diplomacias
Primeira Guerra Mundial
João chagas escreveu um dia que o inimigo que Portugal tinha no conflito europeu era a Inglaterra. Nada podia ser mais exacto. Chagas e alguns outros, entre os quais se inclui o Coronel Freire de Andrade, ministro dos Negócios Estrangeiros em 1914, queriam ver a República a combater na frente ocidental, com a França e a Inglaterra. Havia no entanto um obstáculo no caminho da intervenção portuguesa: a própria Inglaterra.
A posição oficial Portuguesa foi a de, estando em paz com todas as potências, estar também pronto a corresponder incondicionalmente aos seus «deveres» para com a Inglaterra. Á primeira leitura desta declaração de amizade - que em França, por exemplo, se interpretou como um acto de hostilidade á Alemanha - , os ingleses ficaram irritados.
A ideia de terem Portugal a combater do seu lado causava-lhes uma repugnância absoluta. A diplomacia Inglesa chegava mesmo a pensar que tinha que suportar as despesas de intervenção Portuguesa vistas as dificuldades da pequena República. Desagradava-lhe ainda ficar limitada com compromissos com Portugal em eventuais negociações de paz.
Churchill aliás achava mesmo que se deveria preferir a aliança de Espanha, e até mesmo facilitar a anexação de Portugal, se fosse essa a condição para ter os Espanhóis do lado Inglês. Mas...
Por detrás do menosprezo estava uma realista avaliação estratégica de Portugal: a única coisa importante para a Inglaterra era que Portugal só tinha valor estratégico para a Alemanha, caso esta pudesse estabelecer uma esquadra no Tejo. Por isso o único interesse que a Inglaterra tinha em relação a Portugal era mante-lo neutral.
No entanto, em Setembro de 1914, o desgaste dos Aliados levou o comando Francês a interessar-se pelo que Portugal pudesse oferecer em Artilharia e Infantaria.
Foi assim que Grey, sem qualquer entusiasmo, convidou o Governo Português, a 10 de Outubro, a juntar-se aos aliados. Em Fevereiro de 1916, Costa conseguiu finalmente amarcar á Inglaterra uma "nota verbal" em que se reestabelecia o convite de 10 de Outubro de 1914. As causas foi a ânsia inglesa de se apoderar dos barcos alemães refugiados em portos Portugueses e o direito de Portugal (ao combater activamente no Conflito) participar na futura Conferência de Paz que regularia a organização da sociedade europeia e mundial no Pós-Guerra.
Segunda Guerra Mundial
Imediatamente após o ataque Alemão á Polónia, um Portugal mais "organizado" e mais "ciente" define a sua politica de Neutralidade numa nota oficiosa a 1 de Setembro de 1939.
Então as diferenças das duas guerras assentavam em:
- Uma declaração «unilateral« de neutralidade, isto é, uma tomada de posição da iniciativa de Lisboa, ainda que com consulta ao Foreign Office, mas não por sugestão deste ou em resposta a um pedido nesse sentido de um Governo sem saber que atitude adoptar, como acontecera com o Ministério de Bernardino Machado, em Agosto de 1914.
- Uma declaração de neutralidade e não de «não beligerência», como também sucedera com o Governo Português na I Guerra. Ou seja um posicionamento de maior distância e autonomia relativamente á Grã-Bretanha. Mas, sobretudo no plano da guerra económica, sobejaria a margem da ambiguidade suficiente para o Governo Português - para desespero do Ministry f Economic Warfare Britânico - entender tal neutralidade de forma geométrica ou mais colaborante, ao sabor das conjunturas do momento, e, sobretudo, dos fabulosos negócios em perspectiva com ambos os campos beligerentes,
As caracteristicas e funções da neutralidade portuguesa, aliadas ao facto de, após a queda da França, em Junho de 1940, Portugal se transformar no porto pacífico de entrada e saída da Europa ocupada e em guerra, e a excepcional valorização estratégica das ilhas atlânticas (especialmente os Açores), conferiram ao Governo de Lisboa um papel e uma proeminência internacionais sem precedentes na história do País.
Em suma ganha-mos muito mais na Segunda que na Primeira e Salazar (inteligente) soube tirar, e muito bem os dividendos políticos internos desse período áureo, tendo a posição evoluído ao sabor das diversas conjunturas e fases da guerra e sob a pressão dos interesses contraditórios dos beligerentes.
Imagens: 1ª - Pintura de Sousa Lopes na Sala da Grande Guerra no Museu Militar
2ª - Cartoon - Portugal vende Volfrâmio á Alemanha
Fontes:
História de Portugal, 6º Volume, A Segunda Fundação, Circulo de Leitores
História de Portugal, 7º Volume, O Estado Novo, Circulo de Leitores
Portugal na Conferência da Paz, Paris 1919, José Medeiros Ferreira
A posição oficial Portuguesa foi a de, estando em paz com todas as potências, estar também pronto a corresponder incondicionalmente aos seus «deveres» para com a Inglaterra. Á primeira leitura desta declaração de amizade - que em França, por exemplo, se interpretou como um acto de hostilidade á Alemanha - , os ingleses ficaram irritados.
A ideia de terem Portugal a combater do seu lado causava-lhes uma repugnância absoluta. A diplomacia Inglesa chegava mesmo a pensar que tinha que suportar as despesas de intervenção Portuguesa vistas as dificuldades da pequena República. Desagradava-lhe ainda ficar limitada com compromissos com Portugal em eventuais negociações de paz.
Churchill aliás achava mesmo que se deveria preferir a aliança de Espanha, e até mesmo facilitar a anexação de Portugal, se fosse essa a condição para ter os Espanhóis do lado Inglês. Mas...
Por detrás do menosprezo estava uma realista avaliação estratégica de Portugal: a única coisa importante para a Inglaterra era que Portugal só tinha valor estratégico para a Alemanha, caso esta pudesse estabelecer uma esquadra no Tejo. Por isso o único interesse que a Inglaterra tinha em relação a Portugal era mante-lo neutral.
No entanto, em Setembro de 1914, o desgaste dos Aliados levou o comando Francês a interessar-se pelo que Portugal pudesse oferecer em Artilharia e Infantaria.
Foi assim que Grey, sem qualquer entusiasmo, convidou o Governo Português, a 10 de Outubro, a juntar-se aos aliados. Em Fevereiro de 1916, Costa conseguiu finalmente amarcar á Inglaterra uma "nota verbal" em que se reestabelecia o convite de 10 de Outubro de 1914. As causas foi a ânsia inglesa de se apoderar dos barcos alemães refugiados em portos Portugueses e o direito de Portugal (ao combater activamente no Conflito) participar na futura Conferência de Paz que regularia a organização da sociedade europeia e mundial no Pós-Guerra.
Segunda Guerra Mundial
Imediatamente após o ataque Alemão á Polónia, um Portugal mais "organizado" e mais "ciente" define a sua politica de Neutralidade numa nota oficiosa a 1 de Setembro de 1939.
Então as diferenças das duas guerras assentavam em:
- Uma declaração «unilateral« de neutralidade, isto é, uma tomada de posição da iniciativa de Lisboa, ainda que com consulta ao Foreign Office, mas não por sugestão deste ou em resposta a um pedido nesse sentido de um Governo sem saber que atitude adoptar, como acontecera com o Ministério de Bernardino Machado, em Agosto de 1914.
- Uma declaração de neutralidade e não de «não beligerência», como também sucedera com o Governo Português na I Guerra. Ou seja um posicionamento de maior distância e autonomia relativamente á Grã-Bretanha. Mas, sobretudo no plano da guerra económica, sobejaria a margem da ambiguidade suficiente para o Governo Português - para desespero do Ministry f Economic Warfare Britânico - entender tal neutralidade de forma geométrica ou mais colaborante, ao sabor das conjunturas do momento, e, sobretudo, dos fabulosos negócios em perspectiva com ambos os campos beligerentes,
As caracteristicas e funções da neutralidade portuguesa, aliadas ao facto de, após a queda da França, em Junho de 1940, Portugal se transformar no porto pacífico de entrada e saída da Europa ocupada e em guerra, e a excepcional valorização estratégica das ilhas atlânticas (especialmente os Açores), conferiram ao Governo de Lisboa um papel e uma proeminência internacionais sem precedentes na história do País.
Em suma ganha-mos muito mais na Segunda que na Primeira e Salazar (inteligente) soube tirar, e muito bem os dividendos políticos internos desse período áureo, tendo a posição evoluído ao sabor das diversas conjunturas e fases da guerra e sob a pressão dos interesses contraditórios dos beligerentes.
Imagens: 1ª - Pintura de Sousa Lopes na Sala da Grande Guerra no Museu Militar
2ª - Cartoon - Portugal vende Volfrâmio á Alemanha
Fontes:
História de Portugal, 6º Volume, A Segunda Fundação, Circulo de Leitores
História de Portugal, 7º Volume, O Estado Novo, Circulo de Leitores
Portugal na Conferência da Paz, Paris 1919, José Medeiros Ferreira
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09 abril 2010
Foram estes os homens que lutaram em 1914-18
Porque é o meu jornal preferido, recupero aqui uma notícia num evento onde marquei presença.
«A I Guerra Mundial foi particularmente dura para os portugueses. Nas trincheiras, pouco antes da derrota histórica de Abril de 1918, na batalha de La Lys, a situação era desesperada, o moral das tropas era baixissimo. A muito aguardada substituição dos soldados portugueses pelas tropas inglesas há muito que vinha sendo adiada. E a agitação política em Portugal não ajudava. Os soldados sentiam-se esquecidos na Flandres frente a um Exército alemão que avançava em direcção a eles.
Entre estes homens encontrava-se Arnaldo Rodrigues Garcez, fotógrafo, nascido em Santarém em 1885. Quando a guerra começou, Garcez já se tinha mudado para Lisboa, onde começara a trabalhar como freelancer para alguns jornais. Foi convidado para registar treinos militares dos soldados que se preparavam para partir para a frente de batalha e, mais tarde, seguiu o mesmo caminho, sendo enviado para a Flandres com o posto de “alferes equiparado” para fazer a cobertura fotográfica no teatro de guerra.
Mais de 100 destas fotografi as podem ser vistas até dia 22 no Palácio do Gelo Shopping, em Viseu, numa exposição organizada em conjunto com o Regimento de Infantaria nº 14. Trata-se de imagens recentemente reunidas pelo Exército Português para o livro Exército Português - Imagens da I Guerra Mundial.
São rostos e momentos que Garcez captou nas trincheiras e no meio dos campos de batalha, em França e outros países europeus. Depois do conflito ter terminado, em 1918 – e de os portugueses terem perdido dois mil homens, e terem ficado com 5000 feridos e 6000 prisioneiros – Garcez ainda permaneceu em França, onde fotografou as celebrações da vitória.
De regresso a Portugal, em 1921, acompanhou as cerimónias de transladação dos corpos do Soldado Desconhecido para o Mosteiro da Batalha. Arnaldo Garcez morreu em 1974 com 78
anos.»
In: Público, P2 , de 13-03-2009
Entre estes homens encontrava-se Arnaldo Rodrigues Garcez, fotógrafo, nascido em Santarém em 1885. Quando a guerra começou, Garcez já se tinha mudado para Lisboa, onde começara a trabalhar como freelancer para alguns jornais. Foi convidado para registar treinos militares dos soldados que se preparavam para partir para a frente de batalha e, mais tarde, seguiu o mesmo caminho, sendo enviado para a Flandres com o posto de “alferes equiparado” para fazer a cobertura fotográfica no teatro de guerra.
Mais de 100 destas fotografi as podem ser vistas até dia 22 no Palácio do Gelo Shopping, em Viseu, numa exposição organizada em conjunto com o Regimento de Infantaria nº 14. Trata-se de imagens recentemente reunidas pelo Exército Português para o livro Exército Português - Imagens da I Guerra Mundial.
São rostos e momentos que Garcez captou nas trincheiras e no meio dos campos de batalha, em França e outros países europeus. Depois do conflito ter terminado, em 1918 – e de os portugueses terem perdido dois mil homens, e terem ficado com 5000 feridos e 6000 prisioneiros – Garcez ainda permaneceu em França, onde fotografou as celebrações da vitória.
De regresso a Portugal, em 1921, acompanhou as cerimónias de transladação dos corpos do Soldado Desconhecido para o Mosteiro da Batalha. Arnaldo Garcez morreu em 1974 com 78
anos.»
In: Público, P2 , de 13-03-2009
08 abril 2010
O Fado do Cavanço
Numa noite de Outono de 1917, Cunha Leal, recentemente chegado ao sector português da Flandres, ouviu o famoso «fado do cavanço» cantado ás escondidas por três soldados do CEP. Entenda-se pelo pomposamente designado Corpo Expedicionário Português, designação imitar de BEF (British Expeditionary Force), cuja sigla (CEP) os espirituosos de Lisboa traduziam por «Carneiros de Exportação Portuguesa».
«Nesta vida de Cavanço
A cava, como se vê,
Se os boches dão um avanço
Cava todo o CEP.»
Fontes:
História de Portugal, 6º Volume, A Segunda Fundação, Circulo de Leitores
Imagem: Capa da Ilustração Portugueza II série, nº603, in Ilustração Portuguesa
A cava, como se vê,
Se os boches dão um avanço
Cava todo o CEP.»
Fontes:
História de Portugal, 6º Volume, A Segunda Fundação, Circulo de Leitores
Imagem: Capa da Ilustração Portugueza II série, nº603, in Ilustração Portuguesa
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