28 abril 2009

Aníbal Augusto Milhais


O SOLDADO MILHÕES


Aníbal Augusto Milhais nasceu em Valongo, concelho de Murça, em Trás-os-Montes. Filho de agricultores e ele próprio agricultor durante toda a vida, com excepção do tempo em que esteve na guerra.
Chegada a hora da tropa foi incorporado no Regimento de Bragança e mais tarde no de Chaves. Em 1917 partiu para a frente de combate. Um ano depois, chegava o "grande momento", o da Batalha de La Lys, na Flandres. O dia preciso: 9 de Abril.
Rezam as crónicas que uma força portuguesa se viu atacada pelos alemães. A nossa força chegou a ser destroçada e a situação era «a pior possível». Muitos portugueses foram mortos e os sobreviventes obrigados a retirar. O soldado Milhais viu-se sozinho numa trincheira e, então, ergue-se, de metralhadora Lotz em punho, e varreu uma coluna de alemães que vinham em motocicletas. Terá feito o mesmo ás colunas de "boches" que entretanto surgiram. Parece que os alemães terão julgado que, em vez de um camponês sozinho, enfrentavam um fortíssimo regimento de portugueses e ingleses. Mas, afinal, era apenas Milhais e a sua querida "Luísa", nome da metralhadora (já retratada neste blog).
O acto isolado deste soldado permitiu aos aliados tomar posição trinta e tal quilómetros mais atrás. Milhais, esse, continuou sozinho, a vaguear pelos campos, tendo apenas «amêndoas doces» para comer. Reza também a história que salvou um grupo de escoceses de serem capturados, disparando sobre os alemães que os perseguiam.
Quatro dias depois da batalha, encontrou um médico escocês que o salvou de morrer afogado num pântano. Foi este médico, para sempre agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado transmontano. Chegado ao acampamento, Milhais foi efusivamente abraçado pelo seu comandante (General Tamagnini): «Tu és Milhais, mas vales milhões».
Por causa desse feito Milhões recebeu a Ordem de Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito, em Isberg. Perante o soldado, que, no fundo, era apenas um homem simples e grande contador de histórias, desfilaram «em continência» 15 mil soldados aliados.
Depois de terminada a guerra, o soldado recebeu outras condecorações portuguesas e estrangeiras.
Em 1928, Aníbal Milhais decide emigrar para o Brasil (para ver se conseguia sustentar os filhos: uma pátria agradecida NÃO velava por ele…), mas em Agosto regressou á sua terra, depois de ter surgido uma iniciativa de outros emigrantes portugueses em terras de Vera Cruz que viram nele a «personificação completa de Portugal eterno». Remeteram Milhões para a Pátria com uma «boa soma» nas algibeiras.
«Há ideia de que ele matou muita gente...mas ele tinha a convicção de que, apenas, reagiu para se defender. Milhões ao folhear os jornais e fotografias da época, apenas se queria lembrar dos que não conseguiu salvar. Não se orgulhava dos números da mortandade nem dava muita importância a tantas medalhas. Foi, até ao fim da vida, um homem simples que as circunstâncias das lutas daquele tempo fizeram herói. «Ele achava que fez, apenas, o que qualquer um, em circunstâncias iguais, teria feito». Milhões evitava falar da guerra, apesar de considerar que o seu gesto «tinha sido corajoso». Trabalhava no campo e gostava de conversar, «com muita naturalidade e sem vaidade».
«Homem baixo, 1 metro e 55 centímetros. Testa inteligente. Olhar penetrante. Rosto simpático com farto bigode semi-grisalho.


«(...) Nesta guerra com milhões de mortos, não haveria lugar ao culto do heroísmo individual (ao culto da personalidade), daí a poderoso liturgia cívica europeia colectiva ao soldado Desconhecido, que a «Pátria» coroará nos vários monumentos aos mortos da Grande Guerra.
Contudo, em Portugal, deve relevar-se dentro do imaginário «guerrista» o heroísmo do soldado «Milhões», condecorado com a 4ª classe da Ordem de Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito, que será sujeito a apropriações míticas, rosto concreto das «horas de provação» da batalha de La Lys, finda a qual, os portugueses, «num cortejo de silêncio e tristeza, [...] vão como sonâmbulos [...]»
(Augusto Casimiro, Cálvários da Flandres).




(...) « A verdade é que a maior parte dos seus descendentes adoptou o apelido Milhões, como Leonida, a neta que vai, connosco, relembrar o célebre soldado da Primeira Grande Guerra Mundial.
Leonida, que vive com as suas filhas na Guarda, prefere recordar o avô e não tanto o herói: «Ele era a pessoa com quem a gente brincava e acima de tudo era um amigo».«Era um homem de grandes valores, um homem de palavra e com grande sentido de justiça», recorda a neta. Sempre bem disposto: «Mesmo nos piores momentos, ele conseguia transmitir coragem». Milhões morreu quando Leonida tinha 17 anos mas ela lembra-se bem que o avô era um homem muito simples e bem disposto, capaz de contar uma boa história.»

(...)«O problema é que a comenda da Ordem de Torre e Espada valia apenas 15 tostões por mês. É que a Pátria precisa de heróis (quando não os tem, fá-los à pressa, em aviários) mas quando se trata de desembolsar uns cobres, o caso muda de figura. Em 1924 chegou, inclusive, a haver subscrições públicas para que o herói Milhões pudesse construir uma casinha. Para ele, para a mulher e para os oito filhos. Vasco Borges, um deputadíssimo figurão, emocionado, fez, na altura, um elogio choroso na Câmara dos Deputados: «O nome do humilde soldado transmontano que na epopeia da Flandres acendeu por suas mãos um facho de imortalidade; o nome desse obscuro soldado Milhões irradia na hora indecisa do presente um fulgor igual ao do Lampadário da Pátria sob as abóbadas solenes da Batalha». No melhor estilo, pois então. E, finalmente, o deputado lá sugeriu que a terra onde Aníbal nasceu se passasse a chamar Valongo de... Milhais, em homenagem ao nosso herói. Aprovado.»

«Saiu em Março mas em Agosto regressou à sua terra. Perguntaram-lhe se tinha regressado por causa do clima. «Não. Não me deixaram ficar lá!». É que os portugueses do Brasil ao saberem que «o seu herói, porventura ansioso de amealhar o mais possível para ter na Pátria uma velhice tranquila, revoltaram-se indignados até contra o Governo, porque assim se havia desprezado uma relíquia do Pátria, que se vira constrangido a emigrar um herói para quem todo o ouro da Nação deveria ser pouco e insuficiente para pagar a epopeia gloriosa que ele vivera, erguendo tão alto o nome de Portugal», conta a revista "Juventude". «Eis que surge uma iniciativa deveras comovedora: abre-se uma subscrição. Festeja-se aquele simples emigrante como o símbolo da raça, que visitou o Brasil e os seus compatriotas, os quais delirando, com ovações e lágrimas vêem nele a personificação completa de Portugal eterno». E, depois, remeteram Milhões para a Pátria com uma «boa soma» nas algibeiras, que um herói daqueles não podia ser emigrante.»

(...)«informa-nos a revista "Juventude", de 1963, que inclui Milhões na "Academia dos Imortais". Ele que, a acreditar na neta Leonida, era um homem que gostava de brincar com as crianças. Suspeito que, Milhões, na sua infinita sabedoria de homem do campo, em comunhão com a natureza, sabia que isso de ser símbolo da «heroicidade da nossa raça» não passava de treta . «Este soldadinho, afora façanhas de desprezo pela vida, que em muitas ocasiões levou a cabo com o seu sorriso e a inconsciência do seu valor», como dizia o articulista, sabia que o seu gesto de coragem correspondeu apenas a um impulso visceral.»







Bibliografia:

Terras da Beira 25/06/98, Opinião, Para a Pátria, o soldado Milhões valia quinze Tostões, Américo Rodrigues

Revista Combatente, Edição 345, Setembro 2008

Revista Alma Nova, página 65

Portugal, Grande Guerra 1914-1918, Edição Diário de Noticias

Visão História, nº4

Inatel, Viagens na História, João Aguiar

Municipio de Murça

8 comentários:

Anônimo disse...

Boas!

Foi indicado que a metralhadora Lotz tinha por alcunha o nome de "Luísa"; Existe uma pequena incorrecção: a marca da metralhadora usada por estes homens era "Lewis", a Lewis Mk.I; dai o nome de luísa!
Mais referências em http://pt.wikipedia.org/wiki/Lewis_(metralhadora)

Marcelo Sousa disse...

Obrigado.
Procedei à correcção

Cpts.

Anônimo disse...

Milhais porque era de (Valongo de) Milhais. Valongo de Milhais porque, próximo, na freguesia de Abreiro do concelho de Mirandela, há uma povoação por e simplesmente chamada Milhais. Não muito longe, no concelho de Bragança, também há uma freguesia chamada Milhão.
Sendo ele natural de (Valongo de)Milhais, não me parece que Milhais fosse apelido de família. Foi provavelmente alcunha que lhe colocaram na tropa. Antes de ser Milhões.

Luís Teixeira Neves

Blog do Pinto disse...

Milhões tinha um meio irmão no Brasil. Quando veio para o Brasil ficou na casa de sua família brasileira e era tratado aqui como herói. Sou bisneto do seu meio-irmão. A fisionomia dele lembra muito essa parte da minha família.

Unknown disse...

Sou bisneto dele, cresci com a foto dele na sala dos meus avós em Pegarinhos.

Anônimo disse...

Sou bisneto dele e tenho muita honra no meu bisavô

André Dias Basto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Dias Basto disse...

Boa gente lusitana! Espero que Deus cuide bem das famílias portuguesas que deram ao nosso herói o que ele merecia, o retorno a pátria e um fim de vida digno. O governo por vezes se esquece da nossa gente, mas nunca nos esqueceremos uns dos outros. Somos uma família!
Minhas mais sinceras homenagens ao senhor Aníbal e a toda gente que contribuiu para que sua figura e seus feitos fossem devidamente reconhecidos e de alguma maneira recompensados.